Príncipe Regente Proclamou
Independência em 01 Agosto 1822
O texto a seguir, assinado por Dom Pedro I em primeiro de agosto de 1822, é o documento oficial em que o príncipe regente proclama a independência do Brasil, embora não anuncie a sua completa separação de Portugal.
A independência é anunciada aqui sem meias palavras e com clareza indiscutível. Em tese, esse documento tem mais valor histórico real do que o mero Grito do Ipiranga, uma proclamação apenas verbal feita por Dom Pedro perante sua própria comitiva, e mais de um mês depois.
Devido talvez ao seu tom crítico às elites e ao destaque que dá ao povo e à participação popular na política, o Manifesto de Primeiro de Agosto parece ter sido jogado ao esquecimento.
Lembrado ou não, o documento tem grande importância histórica. O texto foi escrito pelo líder maçônico Joaquim Gonçalves Ledo; ver “Caderno de Pesquisas Maçônicas”, nº 11, Editora “A Trolha” Ltda., Grande Oriente do Brasil, texto “Ledo e a Independência do Brasil”, de Frederico Guilherme Costa. Ver também p.22 da obra “D. Pedro I e Dona Leopoldina Perante a História – Vultos e Fatos da Independência”, Instituto Geográfico de São Paulo, edição comemorativa do Sesquicentenário da Independência do Brasil: Barão do Rio Branco diz que o autor do Manifesto é Ledo. É dessa obra, pp. 26 a 34, que reproduzimos o texto, adaptando a ortografia das palavras para a linguagem atual. (Pela transcrição, Carlos Cardoso Aveline)
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Manifesto de Sua Alteza Real O Príncipe Regente Constitucional e Defensor Perpétuo do Reino do Brasil Aos Povos deste Reino
Brasileiros,
Está acabado o tempo de enganar os homens. Os governos, que ainda querem fundar o seu poder sobre a pretendida ignorância dos povos, ou sobre antigos erros, e abusos, tem de ver o colosso da sua grandeza tombar da frágil base, sobre que se erguera outrora. (...)
Que luta porfiosa entre partidos encarniçados, entre mil sucessivas e encontradas facções? A quem ficaria pertencendo o ouro e os diamantes das nossas inesgotáveis minas; estes rios caudalosos, que fazem a força dos Estados, esta fertilidade prodigiosa, fonte inexaurível de riquezas e de prosperidade? Quem acalmaria tantos partidos dissidentes, quem civilizaria a nossa povoação disseminada e partida por tantos rios que são mares? (...)
Brasileiros! Para vós não é preciso recordar todos os males a que estáveis sujeitos, e que vos impeliriam à Representação que me fez a Câmara, e povo desta cidade no dia 23 de maio, que motivou o meu Decreto Real de 3 de junho do corrente ano; mas o respeito que devemos ao gênero humano exige que demos as razões da vossa justiça e do meu comportamento. A história dos feitos do Congresso de Lisboa a respeito do Brasil é uma das histórias de enfiadas injustiças, e sem razões, seus fins eram paralisar a prosperidade do Brasil, consumir toda a sua vitalidade, e reduzi-lo a tal inanição e fraqueza que tornasse infalível a sua ruína e escravidão. Para que o mundo se convença do que digo, entremos na simples exposição dos seguintes fatos.
Legislou o Congresso de Lisboa sobre o Brasil sem esperar pelos seus representantes, postergando assim a soberania da maioridade da Nação.
Negou-lhe uma delegação do Poder Executivo, de que tanto precisava para desenvolver todas as forças da sua virilidade, vista a grande distância que o separa de Portugal, deixando-o assim sem leis apropriadas ao seu clima e circunstâncias locais, sem prontos recursos às suas necessidades.
Recusou-lhe um centro de união e de força para o debilitar, incitando previamente as suas Províncias a despegarem-se daquele que já dentro de si tinham felizmente.
Decretou-lhes governos sem estabilidade e sem nexo, com três centros de atividade diferentes, insubordinados, rivais e contraditórios, destruindo assim a sua categoria de Reino, aluindo assim as bases da sua futura grandeza e prosperidade, e só deixando-lhes todos os elementos da desordem e da anarquia.
Excluiu de fato os brasileiros de todos os empregos honoríficos e encheu vossas cidades de baionetas européias comandadas por chefes forasteiros, cruéis e imorais.
Recebeu com entusiasmo e prodigalizou louvores a todos esses monstros, que abriram chagas dolorosas nos vossos corações ou prometeram não cessar de as abrir.
Lançou mãos roubadoras aos recursos aplicados ao Banco do Brasil, sobrecarregando de uma dívida enorme nacional de que nunca se ocupou o Congresso: quando o crédito deste Banco estava enlaçado com o crédito público do Brasil, e com sua prosperidade.
Negociava com as nações estranhas a alienação de porções do vosso território para vos enfraquecer e escravizar.
Desarmava vossas fortalezas, despia vossos arsenais, deixava indefesos vossos portos, chamando aos de Portugal toda a vossa Marinha; esgotava vossos tesouros com saques repetidos para despesa de tropas, que vinham sem vossa solicitação, para verterem o vosso sangue e destruir-vos, ao mesmo tempo que vos proibia a introdução de armas e munições estrangeiras com que pudésseis armar vossos braços vingadores e sustentar vossa liberdade.
Apresentou um projeto de relações comerciais que, sob falsas aparências de quimérica reciprocidade e igualdade, monopolizava vossas riquezas, fechava vossos portos aos estrangeiros e assim destruía a vossa agricultura e reduzia os habitantes do Brasil outra vez ao estado de pupilos e colonos.
Tratou desde o princípio, e trata ainda com indigno aviltamento e desprezo, os representantes do Brasil quando tem a coragem de punir os seus direitos, e até (quem ousará dizê-lo) vos ameaça com libertar a escravatura e armar seus braços contra seus próprios senhores.
Para acabar finalmente esta longa narração de horrorosas injustiças, quando pela primeira vez ouviu aquele Congresso as expressões da vossa justa indignação, dobrou de escárnio, ó Brasileiros, querendo desculpar seus atentados com a vossa própria vontade e confiança.
A delegação do Poder Executivo, que o Congresso rejeitara por anticonstitucional, agora já uma Comissão do seio deste Congresso no-la oferece, e com total liberalidade, que em vez de um centro do mesmo poder, de que só precisáveis, vos querem conceder dois, e mais. Que generosidade inaudita! Mas quem não vê que isto só tem por fim destruir a vossa força e integridade, armar Províncias contra Províncias, e irmãos contra irmãos.
Acordemos pois, generosos habitantes deste vasto e poderoso império, está dado o grande passo da vossa independência e felicidade a tanto tempo preconizadas pelos grandes políticas da Europa. Já sois um povo soberano; já entrastes na grande sociedade das nações independentes, a que tínheis todo o direito. A honra e dignidade nacional, os desejos de ser venturosos, a voz da mesma natureza mandam que as colônias deixem de ser colônias quando chegam à sua virilidade, e ainda que tratados como colônias não o éreis realmente, e até por fim éreis um Reino. Demais; o mesmo direito que teve Portugal para destruir as suas instituições antigas e constituir-se, com mais razão o tendes vós, que habitais um vasto e grandioso País, com uma povoação (bem que disseminada) já maior que a de Portugal, e que irá crescendo com a rapidez com que caem pelo espaço os corpos graves. Se Portugal vos negar esse direito, renuncia ele mesmo ao direito, que pode alegar para ser reconhecida a sua nova Constituição pelas nações estrangeiras, as quais então poderiam alegar motivos justos para se intrometerem nos seus negócios domésticos, e para violarem os atributos da soberania e independência das nações.
Que vos resta pois, Brasileiros? Resta-vos reunir-vos todos em interesses, em amor, em esperanças; fazer entrar a augusta Assembléia do Brasil no exercício das suas funções, para que manejando o leme da razão e prudência, haja de evitar os escolhos, que nos mares das revoluções apresentam desgraçadamente França, Espanha e o mesmo Portugal; para que marque com mão segura e sábia a partilha dos poderes, e firme o código da vossa Legislação na sã filosofia, e o aplique às vossa circunstâncias peculiares.
Não o duvideis, Brasileiros; vossos representantes ocupados não de vencer renitências; mas de marcar direitos, sustentaram os vossos, calcados aos pés, e desconhecidos há três séculos; consagraram os verdadeiros princípios da Monarquia Representativa Brasileira; declararam rei deste belo País o Senhor D. João VI, meu augusto pai, de cujo amor estais altamente possuídos; cortaram todas as cabeças à Hidra da anarquia e a do despotismo; impuseram a todos os empregados e funcionários públicos a necessária responsabilidade; e a vontade legítima e justa da nação nunca mais verá tolhido a todo o instante o seu vôo majestoso.
Firmes no princípio invariável de não sancionar abusos, de onde a cada passo germinam novos abusos, vossos representantes espalhariam a luz, e nova ordem no caos tenebroso da Fazenda Pública, da administração econômica, e das Leis civis e criminais. Terão o valor de crer que idéias úteis e necessárias ao bem da nossa espécie não são destinadas somente para ornar páginas de livros, e que a perfeição concedida ao homem pelo Ente Criador e Supremo deve não achar tropeço e concorrer para a ordem social e felicidade das nações.
Dar-vos-ão um Código de Leis adequadas à natureza das vossas circunstâncias locais, da vossa povoação, interesses e relações, cuja execução será confiada a juízes íntegros, que vos administrem justiça gratuita, e façam desaparecer todas as trapaças do vosso Foro, fundadas em antigas leis obscuras, ineptas, complicadas e contraditórias. Eles vos darão um Código Penal ditado pela razão e humanidade, em vez dessas leis sanguinolentas e absurdas, de que até agora fostes vítimas cruentas. Tereis um sistema de impostos que respeite os suores da agricultura, os trabalhos da indústria, os perigos da navegação e a liberdade do comércio: um sistema claro e harmonioso que facilite o emprego e circulação dos cabedais, e arranque as cem chaves misteriosas que fecham o escuro labirinto das finanças, que não deixavam ao cidadão lobrigar o rasto do emprego, que se dava às rendas da nação.
Valentes soldados, também vós tereis um Código Militar que, formando um exército de cidadãos disciplinados, reúna o valor, que defenda a Pátria às virtudes cívicas, que a protejam e seguram.
Cultores das letras e ciências, quase sempre aborrecidos ou desprezados pelo despotismo, agora tereis a estrada aberta e desbloqueada para adquirirdes glória e honra. Virtude, merecimento, vós vireis junto ornar o santuário da Pátria, sem que a intriga vos feche as avenidas do trono, que só estavam abertas à hipocrisia e à impostura.
Cidadãos de todas classes, mocidade brasileira, vós tereis um Código de Instrução pública nacional, que fará germinar e vegetar viçosamente os talentos deste clima abençoado e colocará a nossa Constituição debaixo as salvaguarda das gerações futuras, transmitindo a toda a nação uma educação liberal, que comunique aos seus membros a instrução necessária para promoverem a felicidade do grande todo brasileiro.
Encarai, habitantes do Brasil, encarai a perspectiva de glória e da grandeza que vos antevê: não vos assustem os atrasos da vossa situação atual; o fluxo da civilização começa a correr já impetuoso desde os desertos da Califórnia até o estreito de Magalhães. Constituição e liberdade legal são fontes inesgotáveis de prodígios e serão a ponte por onde o bom da velha e convulsa Europa passará ao nosso continente. Não temais as nações estrangeiras: a Europa, que reconheceu a independência dos Estados Unidos da América, e que ficou neutra na luta das colônias espanholas, não pode deixar de reconhecer a do Brasil que, com tanta justiça, e tantos meios e recursos, procura também entrar na grande família das nações. Nós nunca nos envolveremos nos seus negócios particulares; mas elas também não quererão perturbar a paz e comércio livre que lhes oferecemos, garantidos por um governo representativo que vamos estabelecer.
Não se ouça pois entre vós outro grito que não seja – UNIÃO. – Do Amazonas ao Prata não retumbe outro eco que não seja – INDEPENDÊNCIA. – Formem todas as nossas Províncias o feixe misterioso que nenhuma força pode quebrar. Desapareçam de uma vez antigas preocupações, substituindo o amor do bem geral ao de qualquer Província, ou de qualquer cidade. Deixai, ó Brasileiros, que escuros blasfemadores soltem contra vós, contra mim, e contra o nosso Liberal Sistema injúrias, calúnias e baldões: lembrai-vos que, se eles vos louvassem – o Brasil estava perdido. Deixai que digam que atentamos contra Portugal, contra a Mãe Pátria, contra os nossos benfeitores; nós, salvando os nossos direitos, punindo pela nossa justiça, e consolidando a nossa liberdade, queremos salvar a Portugal de uma nova classe de tiranos.
Deixai que clamem que nos rebelamos contra o nosso Rei: ele sabe que o amamos, como a um Rei Cidadão, e queremos salvá-lo do afrontoso estado de cativeiro a que o reduziram; arrancando a máscara da hipocrisia a demagogos infames e marcando com verdadeiro liberalismo os justos limites dos poderes políticos. Deixai que falem, querendo persuadir ao mundo que quebramos todos os laços de união com nossos irmãos da Europa; não, nós queremos firmá-la em bases sólidas, sem a influência de um partido, que vilmente desprezou nossos direitos e que, mostrando-se à cara descoberto tirano e dominador em tantos fatos que já não se pode esconder com prejuízo e desonra nosso, enfraquece e destrói irremediavelmente aquela força moral tão necessária em um Congresso, e que toda se apóia na opinião pública e na justiça.
Ilustres baianos, porção generosa e malfadada do Brasil, a cujo solo se tem agarrado mais essas famintas e empestadas harpias, quanto me punge o vosso destino! Quanto o não poder há mais tempo ir enxugar as vossas lágrimas e abrandar o vosso desespero! Baianos, o brio é a vossa divisa, expeli do vosso seio esses monstros, que se sustentam do vosso sangue; não os temais, vossa paciência faz a sua força. Eles já não são portugueses, expeli-os e vinde reunir-se a nós, que vos abrimos os braços.
Valentes mineiros, intrépidos pernambucanos defensores da liberdade brasileira, voai em socorro dos vossos vizinhos irmãos: não é a causa de uma Província, é a causa do Brasil, que se defende na primogênita de Cabral. Extingui esse viveiro de fardados lobos, que ainda sustentam os sanguinários caprichos do partido faccioso. Recordai-vos, pernambucanos das fogueiras do Bonito e das cenas do Recife. Poupai porém, e amai, como irmãos a todos os portugueses pacíficos, que respeitam nossos direitos e desejam a nossa e sua verdadeira felicidade.
Habitantes do Ceará, do Maranhão, do riquíssimo Pará, vós todos das belas e amenas Províncias do norte, vinde exarar e assinar o ato da nossa emancipação para figurarmos (é tempo) diretamente na grande associação política. Brasileiros em geral! Amigos, reunamo-nos; sou vosso compatriota, sou vosso Defensor; encaremos, como único prêmio de nossos suores, a honra, a glória, a prosperidade do Brasil. Marchando por esta estrada ver-me-eis sempre à vossa frente, e no lugar do maior perigo. A minha felicidade (convencei-vos) existe na vossa felicidade: é minha glória reger um povo brioso e livre. Dai-me o exemplo das vossas virtudes e da vossa união. Serei digno de vós.
Palácio do Rio de Janeiro em primeiro de agosto de 1822.
Príncipe Regente
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