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domingo, 19 de maio de 2013

Aids avança no Pará: falta de leitos preocupa

Número de óbitos no estado é duas vezes maior que a média do BRASIL

Laissa Khayat
Da redação

Embora seja tratada como uma epidemia sob controle, a taxa de mortalidade de Aids aponta um nítido crescimento da síndrome no Pará, desde a identificação da doença, em 1982, e põe em questão a vulnerabilidade do sistema de saúde no Estado. Os últimos dados sobre a síndrome divulgados em 2012 pelo Ministério da Saúde informam que o número de óbitos em Belém é duas vezes maior do que a taxa brasileira, correspondente a 6,31 por 100 mil portadores do HIV. Além disso, a capital paraense é a terceira em incidência de casos de aids (41,3 para cada 100 mil) na região Norte.

Algumas deficiências podem explicar estes resultados. O Pará carece de Centros de Testagem e Aconselhamentos (CTAs), onde são realizados testes rápidos, diagnósticos e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, como é o caso da Aids. Para o tratamento dos portadores do HIV, o Estado mantém 57 CTAs, sete na Região Metropolitana de Belém e 50 para atender os municípios do interior.

Em estágios avançados, o paciente precisa de internação. Aqueles que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS) esbarram no obstáculo que às vezes parece maior que a doença: conseguir um leito hospitalar. De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), o Estado inteiro dispõe de 78 leitos, sendo 38 na capital.

Em Belém, 28 leitos são disponibilizados pelo único hospital de referência no tratamento de HIV-aids no Pará, o Universitário João de Barros Barreto. Existem também leitos públicos no Hospital de Clínicas Gaspar Viana e na Fundação Santa Casa de Misericórdia. Já no interior do Estado, os leitos do SUS estão disponíveis em diferentes hospitais nas seguintes cidades: Alenquer, Altamira, Ananindeua, Aurora do Pará, Barcarena, Bragança, Breves, Castanhal, Marabá, Marituba, Novo Progresso, Redenção, Santarém e Tucuruí.

Pesquisadora diz que atendimento em Belém está atrasado 30 anos
Diante deste quadro, é compreensível a associação geralmente feita por pacientes entre aids e morte, segundo a psicóloga-pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Ana Cleide Guedes Moreira. Ela estuda a aids desde os anos 90 e coordena um projeto de pesquisa sobre a síndrome desde 2000, viabilizado por financiamento do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPQ). Para ela, o panorama local dessa doença "aguda e mortal" é desanimador. "Estamos 30 anos atrasados na aids em Belém. Estamos na quarta década da epidemia e o panorama está cada vez pior. A esperança está nas ONGs [Organizações Não-Governamentais] e nos movimentos sociais que lutam a cada dia pelas pessoas com aids, porque a política não tem interesse em combater eficazmente essa doença. A aids não vê cor, classe social, sexo. Atinge todo mundo", avalia, dando como exemplo o único CTA municipal da capital, que ficou fechado durante meses no ano passado.

Ana Cleide também critica a assistência oferecida nas unidades básicas de saúde. "Os avanços conseguidos na Aids foram extraordinários, aumentando em muito as chances das pessoas viverem com aids. Agora, a situação dos pacientes que chegam ao hospital [Barros Barreto] não mudou nesses 30 anos. Os pacientes continuam chegando muito graves, sinal que a atenção básica de saúde não funciona. As unidades básicas, que deveriam ter assumido (o controle dessa) essa epidemia no Pará não assumiram. Estamos tal como no início da epidemia", lamenta.

"As campanhas de saúde pública da gripe, da dengue, têm sido bem sucedidas. Para a aids, deixou-se de fazer campanhas de saúde pública eficazes. É como se a aids tivesse realmente se tornado uma doença crônica. Isso é mentira. A aids é epidêmica e nenhuma epidemia é crônica; ela pode se tornar endêmica, ou seja, fica permanente. A aids é quase uma doença negligenciada", alega.

Para a estudiosa, é fundamental trabalhar a aids sob uma perspectiva de saúde pública. "Os leitos são importantes, mas mais leitos não é a solução. A solução está nas campanhas de prevenção, no teste rápido nas unidades básicas de saúde, nas unidades de referência com medicação adequada. Se a aids não é tratada como problema de saúde pública, não vamos dar conta", sintetiza. Embora seja pregada de modo geral como uma doença que afeta a homossexuais e prostitua, como acredita Ana Cleide, ela alerta que a maior incidência do vírus da aids é em pessoas heterossexuais. "A aids cresce entre homens heterossexuais, sem parar desde o início da epidemia, por isso também cresce entre mulheres heterossexuais. Se criou o estigma com os gays e as prostituas que se diz que a aids é coisa de gay, mas não é. A curva da epidemia maior é entre héteros", esclarece.

Burocracia emperra melhorias em políticas de atenção a doentes
O militante Cledson Sampaio, coordenador do Fórum Paraense ONG/Aids e portador do vírus HIV há onze anos, acredita que as deficiências ainda constatadas na Casa Dia e nas unidades básicas de saúde são reflexos da má gestão de políticos e da burocracia do poder público. "Foram oito anos de governo do Duciomar, no qual eles não conseguiram executar políticas de aids. E continua. Veio uma nova gestão, mas ainda existem pessoas embargando processos de licitação. O recurso está acumulando, mas esbarra na burocracia. Para mim, é burrice do gestor burocratizar as coisas", critica.

Como fiscalizador de ações, recursos e propostas para portadores de HIV, Cledson Sampaio, se diz preocupado com o diagnóstico tardio que diminui as chances de boa qualidade de vida ao paciente, além do tratamento deste custar mais caro ao Estado. "O gasto Estado com um portador depende do estado do paciente. Quanto mais tarde for diagnóstico, mais caro fica", afirma. Para ele, a descentralização do teste rápido de HIV pode ajudar a resolver o problema, uma vez que, oficialmente, estão disponíveis na capital apenas o CTA da Casa Dia e a Ure-Dipe (Unidade Referência do Estado em Doenças Infecciosas e Parasitárias, incluindo a aids) para testagem rápida.

"TODOS SOMOS VÍTIMAS", afirma ex-policial que convive com doença
Amélia lembra que antes de descobrir a doença já notava alguns sintomas da síndrome no companheiro, porém ela não o culpa pela transmissão do vírus. "Dos sintomas que via no meu companheiro já veio a desconfiança, mas só vim a descobrir na doação. Nunca o acusei, porque acho que todos somos vítimas. Pelo contrário, uni as nossas forças e lutamos contra o vírus. Infelizmente, ele veio a falecer dois anos depois e a minha luta continuou", diz.

Atualmente, a paciente e militante acredita que a maior preocupação para os que estão na mesma situação é o medo de não ter mais remédios disponíveis para o tratamento, já que o número de portadores do HIV cresce, segundo Amélia, sem políticas públicas. "Estamos com muito medo do ‘boom’ da aids em Belém e no Pará, porque, se acontecer essa epidemia, vai chegar uma hora que não vai ter remédio para mim. O governo diz que está controlada, mas não está. A assistente social do Casa Dia me disse que continua o problema seríssimo de falta de leito. O Governo do Duciomar saiu e o do Zenaldo entrou e nada melhorou ainda. Estamos em maio e continua o problema de falta de leito", questiona.

De acordo com Heloísa Freitas, gerente da Casa Dia, a denúncia não é verdadeira. Ela explica que a Casa atende a cerca de três mil pessoas com aids matriculadas, sendo mantida com recursos federais mensais de R$ 300 mil em média, porém sob administração da Prefeitura de Belém. Ela reconhece que alguns pontos precisam ser trabalhados, como a falta de ambulâncias - a única que havia está em manutenção sem previsão de retorno.

Heloísa informa que no hospital Dia, onde pacientes são internados em casos graves, existem sala com quatro leitos para pacientes mulheres; outros quatro para homens; e quatro leitos infantis que, segundo ela, nunca foram usados.

Outra denúncia que Heloísa Freitas esclarece refere-se à superlotação do espaço. Segundo ela, o número de pacientes da Casa Dia está "dentro da demanda" que a instituição está preparada para receber.

Maior incidência está entre homens com idade entre 25 e 49 anos
Com experiência na Ure-Dipe desde 2008, o médico infectologista Rhomero Souza informa que a maior incidência do vírus HIV ocorre em homens, na idade entre 25 a 49 anos. Contudo, o que lhe chama atenção é o crescimento de diagnósticos positivos entre jovens, mulheres e idosos. Por isso, ele ressalta a importância de se discutir sobre os meios de prevenção, citando o uso de preservativo em todas as relações sexuais; o uso de seringas e agulhas descartáveis; testes prévios de sangue e hemoderivados para transfusão, o que, segundo ele, o Hemopa já realiza; e o uso de luvas para manipular feridas e líquidos corporais. Em caso de pacientes grávidas, ele aconselha também seguir o tratamento da aids na gravidez e evitar o aleitamento materno.

Rhomero Souza esclarece que a transmissão ocorre somente através de secreções como sangue, esperma, secreção vaginal e leite materno, situações estas em que "o vírus aparece em quantidade suficiente para causar a moléstia". "Para haver a transmissão, o líquido contaminado de uma pessoa tem que penetrar no organismo de outra. Isto se dá através de relação sexual, ao se compartilhar seringas, em acidentes com agulhas e objetos cortantes infectados, na transfusão de sangue contaminado, na transmissão vertical da mãe infectada para o feto durante a gestação ou o trabalho de parto e durante a amamentação", explica.

Secretarias de saúde justificam quadro de precarização
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) informa que o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) está funcionando normalmente na Casa Dia, localizada na avenida Pedro Álvares Cabral, no bairro da Sacramenta. Além disso, a secretaria garante que o CTA é "frequentemente convidado a realizar apresentações e palestras para alertar sobre o perigo das DSTs, oportunidade em que são realizadas orientações individuais e em grupo sobre o assunto". De acordo com o órgão, de janeiro até o momento, o CTA fez mais de três mil testes, com resultado positivo para 120 homens e 61 mulheres. "Quando alguém é diagnosticado como ‘pessoa vivendo com HIV Aids’ é encaminhada para a Casa Dia/Sesma onde passa a ser acompanhada por uma equipe multiprofissional", diz a nota.

Já a coordenadora estadual de DST/Aids, Deborah Crespo, diz que o maior número de casos notificados foi constatado em 2009, havendo, sem informar em números absolutos, um declínio nos últimos anos.
Deborah Crespo explica que "inúmeros" treinamentos estão sendo realizados para profissionais que atuam na atenção primária dos municípios do Estado, assim como está sendo ampliado a rede especializada em DST/aids

Preconceito leva soropositivos à depressão
Analisando lado emocional dos portadores de HIV, a psicóloga Joelma Luiza da Silva, que participa do grupo de pesquisa de Ana Cleide, explica que o maior vilão é o preconceito. Na Clínica de Doenças Infecto-Contagiosas e Parasitais e Aids, do hospital Barros Barreto, onde trabalha, ela conta ter pacientes que preferem não receber a família por sentir vergonha, o que pode levar a um quadro de depressão. "É um abalo muito forte; algumas entram em depressão e a questão do diagnóstico em si, seja recente ou de muito tempo, mesmo que já faça um tratamento, ainda é muito marcante. As pessoas se sentem discriminadas, mal por saber que estão com aids. Elas acabam pensando que estão condenadas à morte. Muitos não sabem o que é o HIV quando recebem o diagnóstico; só ouviram falar", observa.

Este não foi o caso da soropositiva Amélia Coelho Garcia, de 50 anos, mãe de uma filha adotiva de 18 anos. Ela foi diagnosticada com a doença há 20 anos, durante uma doação de sangue, e desde a descoberta do vírus conta com o apoio da família. Entretanto, no ambiente de trabalho, ela relata que não aguentou lidar com o preconceito de colegas. "É muito difícil você assumir o HIV na sua vida, por conta da palavra básica: preconceito. Sou militar de formação, passei 19 anos lá e tive que sair por causa do HIV, porque o preconceito foi muito grande. Imagina uma pessoa que trabalhava com os homens, jogava bola junto com os homens e vivia junto ali. Eles começaram a ficar com medo de mim. Vou jogar bola? Vou pegar HIV. Vou tocar nela? Vou pegar HIV. Começaram a me proibir de muitas coisas. Depois que saí da polícia, falei que não tinha que ter medo da sociedade. Foi quando encabecei a luta contra a aids. Tenho plano de saúde, ganho bem, tenho casa, mas vi que existem pessoas que precisam desse combate, por não ter plano de saúde, boa alimentação, autoestima lá em cima", conta, acrescentando que a luta é feita a frente da Viconvi, entidade que trabalha corpo a corpo especificamente com mulheres com aids.

ANTONIO ERNANDES MARQUES DA COSTA
Coordenador da ONG/GRUPAJUS
Coordenador do Comite Metropolitano de Combate a TB/PA - FUNDO GLOBAL
Rep. Norte na CNAIDS - Ministerio da Saude /DE. DST/AIDS/HEPATITES VIRAIS 

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