A grande imprensa americana está em choque. Pela primeira vez em décadas, quiçá desde os anos 30 e 40, quando se opôs agressivamente às ações sociais de Roosevelt (gerar empregos sempre foi considerado “esquerdista” demais para os magnatas da imprensa), ela terá que fazer jornalismo de verdade.
Trump é o Mefistófeles da imprensa corporativa americana: “aquele que, fazendo o mal, engendra o bem”.
O slogan do Washington Post agora é “a democracia morre na escuridão”, e o New York Times lançou uma campanha em que afirma que “a verdade é difícil. Difícil de encontrar. Difícil de saber. A verdade é mais importante agora do que nunca”.
Há um lado muito cômico nisso tudo. A grande imprensa americana – assim como suas subsidiárias no terceiro mundo – sempre viveu de mentiras. A dobradinha da Casa Branca com New York Times, Washington Post, CNN e demais órgãos de jornalismo, sempre foi, para sermos delicados, diabólica. Quem pode negar a responsabilidade do New York Times pelas mentiras da CIA sobre a presença de “armas de destruição em massa” no Iraque?
Aquilo foi um crime jornalístico de proporções bíblicas, porque foi o pecado original que destruiu todo o Oriente Médio, matou milhões de pessoas e fez o terrorismo internacional crescer umas dez, vinte ou trinta vezes!
Antes das guerras que arrasaram o oriente médio, os terroristas tinham que se esconder em cavernas do Afeganistão, e não possuíam nenhum atrativo. Hoje eles formam um país à parte, em meio a uma região destruída pela guerra, e seduzem jovens no mundo inteiro.
A mídia americana, New York Times à frente, é a principal culpada, porque foi ela que deu aval para a Casa Branca levar adiante aquela guerra insana, contra a qual o mundo inteiro se ergueu, e que sequer contou com o aval da ONU, em geral sempre tão dócil aos caprichos do Tio Sam.
Sim, a verdade é muito difícil, New York Times!
No Brasil, no entanto, temos uma situação curiosamente invertida. A mídia brasileira hoje não pode sequer se arriscar a fazer uma campanha pela “verdade”, porque está tão atolada em suas próprias mentiras que, se o fizesse, seria imediatamente ridicularizada pelas redes sociais.
Além disso, o tempo de fazer jornalismo de oposição já terminou. Hoje, os grandes meios de comunicação apenas querem dividir o butim das verbas públicas e praticar o jornalismo mais chapa-branca possível.
Eu fico realmente irritado com dois tipos de ingenuidade: acreditar na Globo e acreditar na Lava Jato. É uma irritação constante, e que me leva a uma posição contra majoritária, claro, porque o Brasil virou um país de trouxas, em que metade acredita na Globo e a outra metade na Lava Jato.
Bastou o Globo botar, no final do Carnaval, uns bloquinhos gritando “Fora Temer”, e aparecem analistas dizendo que a Globo “abandonou o barco”, ou não está mais apoiando o governo…
Francamente!
A Globo é o governo!
Se ela veicula alguma crítica à corrupção dentro do governo é porque ela precisa manter o controle da narrativa, que inclui justamente segurar para si o monopólio dos vazamentos da Lava Jato e das denúncias. Mas é tudo devidamente mastigado e filtrado de maneira a não atrapalhar o golpe.
Dei uma repassada na edição impressa do Jornal O Globo dos últimos dias, e aquilo já passou do estágio de chapa-branquismo. Não é mais sequer uma assessoria formal do governo. É o próprio Ministério da Comunicação!
Naturamente que, para enganar os trouxas de sempre, a Globo, assim como a Veja, precisa veicular algumas denúncias, fazer algumas críticas. Em alguns casos, precisa até mesmo arrumar um boi de piranha, para canalizar os ódios sociais, como é o caso de Eliseu Padilha.
Vou reproduzir apenas duas matérias, colhidas ao acaso no Globo dos últimos dias:
Olhem bem para isso! O desemprego está crescendo. A indústria continua sendo dizimada. E um janotinha milionário, pertencente a uma poderosa família de políticos, marajás e magnatas do Ceará, dono de shopping especializado em produtos de luxo, ocupa uma página inteira do Globo com a afirmação de que “o pior já passou”… Se o desemprego galopante reduziu o consumo drasticamente, e os municípios e estados vivem uma crise fiscal sem precedentes, como prever que “o pior já passou”?
Esse jornalismo é mais que nunca criminoso, porque ele está escondendo a crise, e, com isso, impedindo agentes públicos e sociedade de tomarem decisões baseadas numa realidade concreta. Se existe uma coisa ainda mais sinistra e maligna do que uma crise econômica, é a constatação de que ela não está sendo mostrada na mídia. Ou seja, o povo brasileiro não apenas está sofrendo com a miséria e o desemprego, mas também se tornou invisível.
Em outra matéria, a Globo diz que “venda da Cedae poderá reduzir conta de água”… Como é possível prever uma coisa dessas, se o preço da água dependerá, evidentemente, da quantidade de chuvas? Alguém, no futuro, irá cobrar a Globo em caso de sua profecia não se realizar? Como prever isso se não se sabe sequer como será o processo de privatização? Além disso, a questão não é tanto o preço da água – embora isso seja fundamental – mas igualmente questões de qualidade, segurança e investimento!
Mais uma vez, temos um exemplo de antijornalismo, porque não se informa ao público o principal: qual o resultado de experiências de privatização de companhias de água em outros países? Deu certo? Reduziu o preço da água? Quais foram os problemas que surgiram?
A imprensa brasileira tem a proeza de fazer jornalismo sem dar informação: ela faz tudo com base em profecias, ditas pelos próprios interessados, futuros donos da Cedae, donos de shopping com ligações políticas, delações…
Quanto às denúncias da Lava Jato, incluindo a mais recente delação de Marcelo Odebrecht, a capa do portal Globo de agora pouco serve para calar a boca dos últimos tolos que ainda acreditavam ser possível que a Lava Jato ou a Globo se voltassem contra o governo Temer.
O golpe não foi para “acabar com a Lava Jato”. O golpe foi articulado meticulosamente com apoio da Lava Jato. Todos os vazamentos aconteceram num ritmo estudado para desestabilizar o governo e pressionar os últimos recalcitrantes a abandonar Dilma e aderir ao impeachment. Em alguns casos, a Lava Jato usou de ameaças reais.
A fúria dos mandarins contra próceres do PMDB e do empresariado, por exemplo, é proporcional à ligação destes com Lula. Sergio Cabral e Eike Batista não foram presos porque roubaram ou participaram de atos ilícitos. E sim porque, em algum momento, apoiaram ou foram apoiados por Lula.
Naturalmente, após o golpe, a Lava Jato precisa ajustar a estratégia e a narrativa. E precisa fazer isso gradualmente, para não causar problemas de credibilidade. É preciso, sobretudo, dar tempo para o governo Temer – e o golpe – se consolidarem. Um ministro do STF tinha de renunciar – ou morrer -, por exemplo, para abrir um vaga para Temer indicar um substituto. O fato de morrer, num acidente, exatamente o ministro responsável pela Lava Jato foi a sorte grande. Não satisfeitos de ignorarem as circunstâncias estranhas que envolvem o acidente de Teori, os responsáveis pela Lava Jato ainda apoiam o substituto indicado pelo governo Temer!
Até meados deste ano, Temer indicará dois novos ministros no TSE. Poderá, portanto, empurrar a decisão final de cassação até o momento de assumir um controle maior no tribunal, sempre com apoio, claro, de Gilmar Mendes.
Ora, isso não é mais teoria de conspiração. Não há mais teoria nenhuma aqui. Há fatos!
O vazamento seletivo dessa última delação de Marcelo Odebrecht serve para enforcar o último trouxa que acredita na Lava Jato com as tripas do último otário que acredita na Globo.
O post do Noblat, principal porta-voz da Globo (sua sabujice desbancou a de Merval Pereira), afirma o seguinte:
“Em depoimento, ontem, de mais de quatro horas à Justiça Eleitoral, o herdeiro e ex-presidente do Grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, deixou mal a ex-presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda Guido Mantega, e relativamente bem o presidente Michel Temer.”
Quer blindagem maior ao governo Temer?
Ainda hoje, o mesmo Noblat completa a blindagem de Temer com o seguinte artigo:
Como alguém pode confiar em qualquer delação, como esta de Marcelo Odebrecht, mesmo que este acusasse o governo Temer, sabendo como ela foi feita?
Marcelo está preso quase dois anos, a maior parte do tempo sem julgamento, apenas como mais uma peça no terrorismo político do golpe. Sua decisão de delatar foi tomada após a Lava Jato mostrar que não apenas estava disposta a destruir a Odebrecht, no Brasil e no mundo (como de fato está fazendo), mas prender também o velho Emilio Odebrecht.
A delação de Marcelo Odebrecht, evidentemente, continua o roteiro do golpe, ou alguém acha que a Lava Jato teria ousadia de destruir a maior empresa de engenharia da América Latina com outro objetivo que não fosse derrubar o governo, destruir o PT, prender o presidente Lula, e implementar um programa neoliberal no Brasil?
Em Davos, o procurador-geral da república, afirmou que a Lava Jato é “pró-mercado”… No vocabulário das repúblicas de banana, isso sempre teve o seguinte significado: para nós, o mercado vem antes da democracia.
O depoimento de Marcelo Odebrecht ao TSE foi vazado no primeiro dia após o Carnaval, com objetivo de abafar o escândalo envolvendo Eliseu Padilha e José Yunes, blindar Temer e permitir ao governo prosseguir no desmonte do Estado. O próprio Globo praticamente o confessa, em editorial de hoje, em que manda o governo dar continuidade ao golpe, através de uma reforma da previdência baseada em informações falsas e sem discutir com a sociedade, e numa reforma trabalhista igualmente imposta de maneira autoritária.
O campo progressista, se quiser combater o golpe, tem de parar de acreditar na Lava Jato, na Globo, na Folha, na Veja, e denunciar a imprensa brasileira como cúmplice principal da corrupção no país.
Inacreditavelmente, porém, o que vemos é o senador Humberto Costa, líder do PT no Senado, dar uma entrevista à Veja, em que acusa… não a Lava Jato, não a Globo, mas o… PT.
Enquanto isso, Jair Bolsonaro dá entrevista a Youtubers… A direita, aliás, está fazendo em comunicação tudo aquilo que nós, durante anos, aconselhávamos que o PT fizesse no governo.
Temer está investindo pesado em redes sociais, youtubers. João Dória montou uma estratégia moderna de comunicação, sempre se comunicando diretamente com a população. Enquanto isso, governadores e prefeitos do PT permanecem isolados, emulando o exemplo terrível de Dilma, em seus palácios, com medo da mídia, da polícia, do judiciário, ou seja, medo da própria política.
O caso do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, é um dos mais melancólicos. Aparentemente imerso em depressão, ele passa a impressão de que está só esperando ser deposto e preso pelos esquemas golpistas, apesar da população mineira – na contramão dos clichês sobre sua timidez e conservadorismo – ser uma das mais corajosas e extrovertidas do país, conforme temos visto em todos esses anos, e com a própria derrota de Aécio em seu estado, em 2014. É incrível que Pimentel, gerenciando um dos estados mais ricos, não tenha coragem e criatividade para criar uma estratégia de resistência à destruição promovida por esse consórcio formado por Globo e Lava Jato.
O exemplo do governador Flavio Dino, sempre na mídia, sempre conversando com a população, e que não só mantém uma aprovação alta como conseguiu eleger grande número de prefeitos em seu estado, não parece comovê-los.
Para um setor do PT, política se tornou uma atividade exclusivamente de campanha. Terminada a campanha, todos se enfiam embaixo da mesa e administram apavorados. Vão sendo depostos, presos, derrotados, e não mudam!
De certa forma, este setor é cúmplice do golpe, por omissão e covardia!
Há poucos dias, eu li no portal da Rede Brasil Atual, que empresários da cadeia de óleo e gás sentiam-se “traídos” pelo governo, porque apoiaram a mudança nas regras de exploração do pré-sal acreditando que seria mantida a preferência pelo conteúdo nacional.
É isso que dá confiar em golpistas e traíras.
Recentemente, o Financial Times publicou uma matéria que alguns órgãos da mídia nacional repercutiram timidamente. Eu vou reproduzir um trecho:
O salário médio por hora na indústria chinesa triplicou entre 2005 e 2016, para US$ 3,60, segundo o Euromonitor. No mesmo período, o salário no setor industrial no Brasil caiu de US$ 2,90 para US$ 2,70. No México, a queda foi de US$ 2,20 para US$ 2,10. Os dados foram compilados junto à Organização Internacional do Trabalho, à Eurostat (o órgão de estatísticas da União Europeia) e a agências de estatísticas nacionais. Em seguida, foram convertidos para o dólar e ajustados pela inflação. O custo de vida em cada país não foi levado em consideração.
Com a destruição dos setores mais avançados da indústria brasileira, primeiro pela Lava Jato, em seguida pelo governo Temer (cuja política é fortemente anti-industrial, inclusive suspendendo financiamentos já programados para indústrias nacionais), a renda dos trabalhadores industriais brasileiros tende a piorar, e sem que isso implique aumento da competitividade no Brasil, visto que a Lava Jato e governo Temer também paralisaram ou cancelaram investimentos em infra-estrutura.
O presidente da China veio ao Brasil, oferecendo construir (e pagar por ela) uma ferrovia ligando o Brasil ao Pacífico, mas a Globo, pelo visto, não gostou, talvez porque isso implicasse a geração de milhões de empregos, soberania, desenvolvimento, crescimento econômico, e todas essas coisas que a nossa mídia detesta.
O governo Dilma, por sua vez, já tomado pelo ataque de paralisia mental que lhe acometeu desde junho de 2013 (ou talvez desde sempre), não fez nenhum trabalho de relações públicas para vender a ideia da ferrovia à opinião pública.
Para sair desta crise, os partidos progressistas terão de eleger dirigentes que estejam dispostos a trabalhar, e isso inclui aparecer na mídia todos os dias. Fazer análises diárias e semanais em vídeo. Conversar ao vivo com a população. O PT, principal partido da esquerda, precisa sair do seu gueto, da sua “Agência PT”, e ter um presidente e um corpo de diretores comunicativos, extrovertidos, falantes, dispostos a fazer a luta política diária na comunicação, dando entrevistas a jornais alternativos, blogs, imprensa internacional, enfim, a todos os setores da comunicação não comprometidos com o golpe. Isso vale, naturalmente, para todos os parlamentares, prefeitos e governadores de legendas progressistas.
Para construir a resistência, será preciso lutar. E lutar, em política, significa vir à público e se manifestar, produzir inteligência, análise, informação e contrainformação!
Se continuar todo mundo embaixo da cama, será difícil mudar alguma coisa!
[Arpeggio – coluna política diária, por Miguel do Rosário]
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