Autor: Nilton César Gomes Batista, Procurador Legislativo da Câmara Municipal de Parauapebas |
AS TENTAÇÕES NOSSAS DE CADA DIA
Marcelo de Barros¹ pondera com muita propriedade em seu livro
Conversando com Mateus² que “só não é tentado quem não precisa fazer
opções”.
Jesus, após trinta anos de anonimato, tempo em que
provavelmente tenha passado conhecendo a vida e a realidade do povo
da Galileia, pois revela isso muito bem em suas parábolas quando fala da
economia, da agricultura e da vida cotidiana do povo, se sente chamado a
intervir na história da humanidade.
Esse é o momento fatal e decisivo de
deserto para Jesus: decidir lutar pela implantação de uma sociedade
diferente da vigente em seu tempo, que privilegiasse a unidade, a
fraternidade e uma distribuição equânime da renda, enfim, o Reino dos
Céus.
No processo de discernimento, Jesus enfrenta uma luta cruel e
implacável com os seus próprios diabos, com seus próprios demônios, com
seus próprios desejos tentadores.
E o primeiro desejo ou tentação (Mt. 4,3-4)³ é o de querer sozinho,
transformando as pedras em pão, satisfazer todo o problema da fome que
consumia e assolava o povo pobre.
O desejo, claro, é censurado em função de que no novo modelo
de organizar a sociedade não há lugar para magicalismo, para o
individualismo, para o paternalismo e para o messianismo. Esse era um
problema a ser enfrentado e solucionado por todos, mediante uma
consciência nova onde o repartir fosse o elemento catalizador desse
processo. Para Jesus, bastava de soluções mágicas que causam
dependência e a estagnação do povo. Era preciso que todos fossem
agentes dessa transformação, conforme a parábola da multiplicação dos
pães (Mt. 14, 13-21).
O segundo desejo ou tentação (Mt. 4, 6-7)⁴ é o de, conhecendo
por dentro todo o sistema religioso, usar a religião em proveito próprio,
transformando-se no super-homem messiânico e milagreiro, causando
sempre a dependência do líder no povo. O desejo é rejeitado porque, além
desse desejo chocar-se com a sensibilidade de que ele (Jesus) tinha da realidade do povo, a dinâmica do Reino é um processo pedagógico de
aprendizagem que envolve e compromete as pessoas coletivamente.
O terceiro desejo ou tentação (Mt. 4, 8-11)⁵ é o de trair à missão de
anunciador de uma nova ordem que lhe foi incumbida pelo Pai no seu
batismo (Mc. 1, 9-11), pelo poder e status que a propriedade privada de
bens conferia às pessoas. Embora o desejo de ser um latifundiário, um
empresário bem sucedido ou de ser um político populista o consumisse, este
foi afastado porque para participar da nova ordem (do Reino de Deus) era
preciso não estar preso e nem ser escravo de nenhuma estrutura social, para
assim, livre de amarras, poder tomar quaisquer tipos de decisões. Daí “ser
mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha, do que um rico
entrar no Reino de Deus” (Mc. 10,25).
Na recente história politica do nosso país e em meio as diversas
agremiações partidárias, o PT teria que ser imune a quaisquer tipos de
tentações, dada a sua histórica e aguerrida oposição e luta em prol da reta
aplicação dos recursos públicos, sobretudo em políticas sociais.
Infelizmente
estamos todos vendo que não foi ou não é bem assim.
Igualmente não se permite que o seguimento evangélico ou que o
cristão evangélico se renda a quaisquer tipos de tentações. E essa proibição
não advém de nenhuma lei aprovada pelo Legislativo, mas do próprio
ensinamento e prática cristã originado da figura de Cristo Jesus.
Desconfio que a seara do Parlamento não seja um campo profícuo
para cristãos evangélicos fazer germinar, como na parábola do bom
semeador, sementes a cem, sessenta e trinta por um (Mt. 13).
A figura do homem público⁶ e evangélico espelha ou deveria
espelhar as ações e decisões do próprio Cristo, cuja indagação primeira
seria: no meu lugar o que faria Jesus?
Tive a graça de ler o livro de Cherles M. Sheldon, ”Em seus Passos o
que faria Jesus?”⁷ que relata a história de como a Primeira Igreja Batista da
cidade de Raymond nos Estados Unidos passou a vivenciar a fé em Cristo
Jesus, após o choque de fé provocado por um mendigo em pleno culto
dominical.
Esse livro, que fora publicado pela primeira vez em 1896 e que
tornou-se best-seller mundial, foi capaz de causar profundas reflexões na
minha vida.
O Pastor da Igreja, o Rev. Henry Maxwell era um excelente orador e
era fervorosamente ovacionado domingo a domingo pela assembleia de
irmãos da Igreja. Numa sexta-feira quando preparava seu sermão para o domingo foi interrompido por um jovem de aparência miserável que lhe
pediu para o ajudar a arrumar um emprego. O Pastor muito ocupado com a
tarefa de terminar o sermão o despachou argumentando que não o poderia
ajudar.
Para sua surpresa o referido jovem de aparência miserável apareceu
no culto dominical, vindo da parte de trás do templo e, após o término do
sermão do Pastor Henry, falou muitas coisas, das quais quero destacar alguns
trechos:
“desde que entrei aqui estou pensando, se seria apropriado dizer
algumas palavras no encerramento do culto. Não estou bêbado, não
sou louco e sou completamente inofensivo, mas se eu morrer, como
parece que vai acontecer dentro de poucos dias, quero ter a satisfação
de pensar que disse o que precisava ser dito num lugar como este,
diante de um grande número de pessoas”
“Eu não sou mendigo como os outros, embora não conheça nenhum
ensino de Jesus que torne um tipo de mendigo menos digno de
salvação do que outro. Alguém conhece? Faz dez meses que perdi
meu emprego. Sou impressor por profissão. As novas máquinas de
linotipo são belos produtos da tecnologia, mas conheço seis homens
que se suicidaram em um ano por causa dessas máquinas. (...)
Perambulei por todo o país tentando achar alguma coisa. Há muita
gente que se encontra nesta mesma situação. Não estou reclamando,
estou? Só apresentando fatos. Mas, sentado ali debaixo da galeria, eu
estava pensando se o que vocês chamam de seguir Jesus é a mesma
coisa que Jesus tinha em mente. O que ele quis dizer quando falou: "Segue-me!? Um pastor disse que é necessário que o discípulo de
Jesus siga seus passos, e acrescentou que os passos são „obediência,
fé, amor e imitação‟. Mas eu não o vi lhes dizer o que isso significa,
principalmente o último passo. O que vocês, cristãos, querem dizer
com seguir os passos de Jesus?”
“Perambulei por toda a cidade três dias tentando achar um emprego
e durante esse tempo nunca recebi uma palavra de simpatia ou de
conforto, com exceção do pastor de vocês, que disse que lamentava
por mim e esperava que eu encontrasse emprego em algum lugar.
Imagino que isso se deva à exploração que vocês sofrem dos
profissionais da mendicância, e chega uma hora em que se perde o
interesse por todos os mendigos. Não estou acusando ninguém,
estou? Só apresentando fatos. É claro, eu compreendo que vocês não
podem deixar seus afazeres e sair procurando emprego para alguém
como eu. Não estou pedindo isso; mas o que me intriga é: o que
significa seguir Jesus?
“Eu enxergo muita coisa da realidade nua e crua. Sei que nesta cidade
há mais de quinhentos homens na mesma situação que a minha. A
maioria deles tem família. Minha mulher morreu faz quatro meses.
Acho bom que ela esteja livre disso. Minha filhinha está com a família
de um impressor até que eu encontre um trabalho. (...) Às vezes tenho
a impressão de que as pessoas nas igrejas grandes têm boas roupas e
moram em casas bonitas, têm dinheiro para gastar com coisas
supérfluas, podem sair de férias no verão etc., ao passo que as
pessoas que estão fora das igrejas, e estou falando de milhares de
pessoas, morrem em cortiços, andam pelas ruas procurando
emprego, jamais terão um piano ou um quadro na parede de casa e
envelhecem no meio da miséria, do álcool e do pecado.”
Logo após proferir essas palavras o jovem desmaiou no solo da
igreja por fome e desnutrição. O Pastor o levou para sua casa e três dias
depois ele veio a óbito.
Esse fato causou uma comoção geral nos presentes e no Pastor
Henry causou uma transformação sem precedentes ao ponto de, no culto
seguinte, ter reunido alguns membros da assembleia e ter feito a proposta
para que cada um, durante um ano inteiro, antes de fazer qualquer coisa se
perguntasse primeiramente “o que Jesus faria naquela situação”. Ou seja,
em nossos passos, o que faria Jesus? Essa pergunta e a resposta dela
balizaria a conduta de todo o cristão daquela igreja.
Na ótica da fé o poder de governar tem origem numa concessão
de Deus aos homens, que ungindo um dentre todos eles, governaria o povo
segundo as regras e preceitos divinos.
Embora não se trate de olhar o cisco no olho do outro sem primeiro
tirar a trava do próprio olho (Mt. 7,4), tenho por mim que o homem público
evangélico tomando o exemplo de Cristo na resistência contra as tentações
e perguntando sempre o que Jesus faria no meu lugar?, deveria se colocar
em posição contrária a quaisquer governos que não resplandecesse
transparência, o compromisso com a vida do povo e com o seu bem estar,
bem como com a reta aplicação dos recursos públicos, não por ideologia
de base ou oposição, mas por opção única pelo Cristo Jesus.
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Notas do autor:
1 - Marcelo Barro é Monge Beneditino e prior do Mosteiro da Anunciação do Senhor, na cidade de Goiás Velho – Goiás
2 - Barros, Marcelo. Conversando com Mateus, CEBI, Editora Rede, Paulus, 1999, p. 32
3 - E, chegando-se a ele o tentador, disse: Se tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães. Ele, porém, respondendo,
disse: Está escrito: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. (Mt. 4,3-4)
4 - E disse-lhe: Se tu és o Filho de Deus, lança-te de aqui abaixo; porque está escrito: Que aos seus anjos dará ordens a teu respeito, E
tomar-te-ão nas mãos, Para que nunca tropeces com o teu pé em alguma pedra. Disse-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o
Senhor teu Deus. (Mt. 4,6-7)
5 - Novamente o transportou o diabo a um monte muito alto; e mostrou-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles. E disse-lhe: Tudo
isto te darei se, prostrado, me adorares. Então disse-lhe Jesus: Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a
ele servirás. Então o diabo o deixou; e, eis que chegaram os anjos, e o serviam. (Mt, 8-11)
6 - Aqui trato homem público com parlamentar.
7 - Em seus passos o que faria Jesus? Charles M. Sheldon; [traduzido por Robinson Malkomes]. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.
Exelente texto, amigo Nilton.
ResponderExcluirO Nilton César pode entender de Regimento , lei orgânica e constituição federal mas de Bíblia não sei. , se é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no reino dos céus então Jó e Salomão passaram com todos os seus bois ovelhas jumentos e CAMELOS, e ser oposição a governos, veja: José do Egito foi aliado trazendo propostas a um reino fadado ao fracasso , o profeta Daniel foi conselheiro de quatro Reis inclusive sendo líder de governo , enfrentando forte oposição , mas por estar neste domingo dedicado a família posteriormente escreverei mas a fundo sobre o assunto.
ResponderExcluirMarcelo Parceirinho, o Senhor tem razão quando diz que não sabe se eu entendo de bíblia. Realmente eu não entendo. O homem letrado em bíblia é o Senhor. Entretanto, quando fiz a referência bíblica de “que será mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus” usei as palavras bíblicas atribuídas a Jesus Cristo que é, no âmbito da nossa fé, o próprio Deus-Filho. Jó, Salomão, José do Egito e Daniel, embora sejam homens que a bíblia credita como de Deus, não eram o próprio Deus, más homens como todos os demais, dados também a todo tipo de tentação. Importa mencionar também que esses homens, segundo o texto bíblico, viveram num passado distante da estada de Cristo na terra, o que a toda evidência descabe a comparação feita por Vossa Senhoria. Se o próprio Deus-Filho, Cristo Jesus, milhares de anos após a vivência desses baluartes citados pelo Senhor, fez essa afirmação, eu não consigo afirmar como fez o Senhor, que esses homens entraram no reino dos céus com bois, ovelhas, jumentos e camelos, até porque o reino dos céus ainda hoje é encarado numa perspectiva escatológica que a ninguém foi dado conhecer. Suponho, pois, nessa linha de raciocínio que afirmar que alguém esteja no reino dos céus deva ser uma competência exclusiva e privativa do próprio Deus em sede de julgamento.
ExcluirBoa resposta! Fico com as palavras de Beth Carvalho em sua canção: "E maior é Deus pequeno sou eu..."
ExcluirExcelente reflexão, caro Nilton.
ResponderExcluirO livro de Charles M. Seldon é um clássico.
Muito boas suas reflexões Dr Nilton. Já havia lido o texto, mas, é sempre bom ler novamente. Parabéns!
ResponderExcluirParabéns Dr. Nilton! Excelente texto. Esse antagonismo quase paradoxal entre o Reino de Deus e o caminho inverso do Poder terreno nos faz refletir sobre quem somos. Continue nos presenteando com textos dessa qualidade.
ResponderExcluirAo caro Lindolfo, externo a alegria por vossa iniciativa em proporcionar aos leitores essa pérola produzida pelo nosso procurador legislativo.