Como assim? Depois de alimentar por duas semanas o maior episódio de histeria coletiva de crônicos derrotados eleitorais, colocar o Supremo Tribunal Federal em saia justa, forçar o PMDB ao radicalismo e proporcionar espetacular assassinato de caráter do mais importante líder popular da República, o juiz Sergio Moro pede clemência ao STF, reconhecendo que “mesmo equivocado em seu entendimento jurídico e, admito à luz da controvérsia instaurada que isso poder ter ocorrido” (as consequências devastadoras acima descritas não passam de polêmica, diz ele), “jamais, porém, foi a intenção”? Como assim, se adiante ele justifica sua infração administrativa porque Lula “aparentemente, tentou obstruir as investigações atuando indevidamente, o que pode configurar crime de obstrução à justiça”? Quer dizer que sua imputação de sentido e intenção a uma ação não comprovada, simples aparência de possibilidade (é esse o significado dos trechos sublinhados por mim, de reportagem do Valor Econômico, 30/03) é legítima, mas imputar a ele, Moro, a intenção de incendiar o debate nacional, não é? Quer me fazer de tolo?
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deve apreciar essa aplicação da doutrina weberiana que autoriza substituir a ausência de objetividade (falta de provas) pela atribuição de sentido e intenção. No caso, uma decisão constitucionalmente legítima e intransferível de nomear o ex-presidente Lula da Silva para cargo responsável pela articulação política do governo, expressa e limpamente destinada a ajudar a defesa do governo contra várias imputações de sentido já perpetradas pelo juiz Sergio Moro e coadjuvantes, torna-se peça comprobatória do próprio método subjetivo do juiz quando atribui ao ato a intenção governamental de obstruir a justiça, cometendo grave violação das normas jurídicas ao dar publicidade a “grampos” criminosamente produzidos (gravar a presidente Dilma Rousseff só não é crime no judiciário weberiano, subjetivo, bem intencionado do juiz Sergio Moro e acompanhantes).
Minha reserva técnica de respeito institucional evaporou-se: esse rapaz é um capo provocador. É inadmissível que um juiz comprovadamente competente, de sólido currículo, confunda tão evidente obsessão punitiva e de linchamento público com católica (isto é, universal) promoção da justiça. Ainda que vários dos ritos pretéritos tenham atendido à normalidade costumeira, digo eu que a intenção desde sempre, mesmo quando amparada em dispositivos formais, tem sido a de promover tumulto institucional, ativando bem planejada dosagem publicitária, cumplicidade seletiva com políticos de elevado comprometimento com patifarias suprapartidárias. Impossível acreditar na inocência de quem se mostra tão magistral no uso da ambiguidade e do veneno sibilino. Esse rapaz sabe o que está fazendo.
Acredito que diversos parlamentares que não registraram estranheza, ao final da reunião do PMDB, diante da pose para foto histórica de Romero Jucá, representante dos ladrões em fuga, e não tenham na mesma ingenuidade pressentido o conflito formidável que, até ontem ministro do governo, agora aliado daquele rapaz, estavam, todos, contratando com os brasileiros. Temo que só mostrem coragem, neste pré conflito, aqueles aos quais não está disponível o caminho eleitoral para a vitória.
A tragédia da democracia é aceitar como legítimas as manifestações contra ela. As consequências dos ataques que sofre são irreparáveis na ordem dos fatos, viram cicatrizes da memória. Mas Sergio Moro passará o resto de sua vida com medo.
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