"Por fim, já que deixamos o campo judicial para entrar na arena política, é digno de nota o fato do militante togado de Araguaína ter omitido dois fatos importantes na sua decisão. Mais da metade dos ministros escolhidos por Jair Bolsonaro tem problemas com a Justiça. O próprio presidente da república pode acabar sendo enredado na teia de crimes financeiros cometidos pelo filho e seu motorista. O que o juiz Alvaro Nascimento Cunha tem a dizer sobre isso? Bandido bom é bandido com amigos no Poder Judiciário?"
A era dos juízes justiceiros, por Fábio de Oliveira Ribeiro
"Hoje inicia-se uma nova fase na história do Brasil. E pelo discurso e sua Excelência o Senhor Presidente da República, Capitão Jair Messias Bolsonaro, pela primeira vez em muitos anos, o crime será combatido neste país, não mais agora incentivado por leis e entendimentos jurisprudenciais divorciados da realidade". Essa frase foi proferida pelo juiz Alvaro Nascimento Cunha, de Araguaína (TO), ao manter preso o cidadão Vanderson da Silva Nogueira.
Várias coisas podem ser ditas sobre essa decisão. A primeira e mais óbvia é que o juiz foi movido pela vaidade. Ao citar um presidente da República que foi eleito dizendo ser inimigo do crime, ele imaginou que poderia desfrutar 15 minutos de fama. A repercussão jornalística da decisão confirmou sua hipótese.
A segunda é a estranha noção de legalidade evocada pela exortação político-partidária feita pelo juiz Alvaro Nascimento Cunha. A principal missão dos magistrados brasileiros é “Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;” (art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura). Não compete ao juiz fazer a Lei ou criticar os limites que foram impostos à sua atuação pelo legislador. Se acredita que a legislação em vigor incentiva o crime, ele deveria se candidatar a um cargo legislativo ao invés de usar um documento público para fazer política partidária.
A terceira questão importante nesse caso é o desprezo que o juiz demonstrou pela técnica processual. O art. 381, do CPP, são requisitos da sentença penal:
Art. 381. A sentença conterá:
I - Os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las;
II - A exposição sucinta da acusação e da defesa;
III - A indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;
IV - A indicação dos artigos de lei aplicados;
V - O dispositivo;
VI - A data e a assinatura do juiz.
O Código de Processo Penal não faculta ao juiz fazer comentários político-partidários sobre a Lei que aplicou ou decidiu deixar de aplicar. Aliás, no exercício de seu mister ele é impedido de fazer isso por força do art. 95, parágrafo único, inciso III, da CF/88.
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
O processo é uma sucessão de atos legítimos (e regulados por Lei), através do qual o Estado resolve as disputas judiciais. A sentença penal é um documento público. Através dele, o Estado diz aos cidadãos em geral e às partes em especial como a lide foi resolvida. A sentença, portanto, é um documento público e não deve ser transformada num panfleto privado através do qual o magistrado expõe seus ideais políticos ou partidários. Não só isso.
O Judiciário é um poder independente do Executivo. Ao usar a sentença como um documento privado para se colocar sob a tutela do presidente da república, o juiz renuncia à independência funcional necessária e indispensável à produção de sentenças válidas. É fantástico que o juiz Alvaro Nascimento Cunha não tenha aprendido isso antes ou depois de ter sido empossado no cargo.
Num Estado de Direito apenas o Poder Legislativo pode reduzir ou ampliar os direitos que foram conferidos por Lei aos cidadãos e às autoridades. O que esse juiz diria se o Congresso Nacional resolvesse reduzir os direitos conferidos aos membros do Poder Judiciário? A julgar pela sua vocação para justiceiro, ele provavelmente começaria a expedir “sentenças bombas”. Upps... falha minha, Ele já está fazendo isso.
No sistema processual brasileiro o juiz tem o poder dever de proferir a decisão, mas o senhor absoluto do recurso é o defensor do réu. Ninguém tem o poder de impedir o advogado de recorrer da decisão que prejudicou seu cliente. Nenhum membro do Poder Judiciário deve sequer imaginar que o advogado poderá ser compelido a deixar de fazer isso porque o juiz da causa se sentirá ofendido. Suponho que esse direito outorgado por Lei ao advogado incomode bastante o autor da decisão comentada.
Aqui mesmo no GGN tenho criticado o mais famoso de todos os juízes justiceiros. Ao que tudo indica Sérgio Moro fez escola. Salve-se quem puder. Os advogados não se salvarão primeiro, pois compete a eles atacar os abusos cometidos por juízes como Alvaro Nascimento Cunha.
Por fim, já que deixamos o campo judicial para entrar na arena política, é digno de nota o fato do militante togado de Araguaína ter omitido dois fatos importantes na sua decisão. Mais da metade dos ministros escolhidos por Jair Bolsonaro tem problemas com a Justiça. O próprio presidente da republico pode acabar sendo enredado na teia de crimes financeiros cometidos pelo filho e seu motorista. O que o juiz Alvaro Nascimento Cunha tem a dizer sobre isso? Bandido bom é bandido com amigos no Poder Judiciário?
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