Peça 1 – o suspeito-chave
No “Xadrez do fim do governo Bolsonaro” montei um mapa mostrando uma série de correlações entre Flávio Bolsonaro, as milícias e a morte de Marielle Franco.
Agora de manhã, foi deflagrada a Operação Intocáveis do Rio das Pedras, que visa uma das maiores milícias do Estado, entocada no Rio das Pedras. Segundo as primeiras informações, se teria chegado ao Escritório do Crime, braço armado da organização especializado em assassinatos sob encomenda.
Foi detido o Major Ronald Paulo Alves Pereira, um dos grandes assassinos mantidos na Policia Militar do Rio. Ele foi o responsável pela Chacina da Vila Show, sequestro e assassinato de quatro jovens que saíam de uma festa.
Ronald passou em um concurso para a PM, foi considerado inapto no exame psicológico, por "demonstrar irritabilidade e onipotência", segundo o laudo, o que indicaria um perfil incompatível com a função. Conseguiu entrar graças a uma liminar obtida em 1995. Um mês após a chacina, recebeu uma moção de louvor do então deputado Flávio Bolsonaro.
Mas o personagem-chave na saga das milícias é o Capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como o chefe do Escritório da Morte, grupo especializado em execuções sob encomenda, e também preso na operação.
É mais grave que isso.
Há pelo menos seis meses a equipe que investiga a morte de Marielle Franco tem convicção de que foi ele o autor dos disparos que mataram a vereadora. Demorou-se mais tempo que o normal nas investigações depois que a equipe se deparou com as ligações do capitão com o gabinete de Flávio Bolsonaro, filho de Jair. As menções a figuras políticas influentes que impediriam as investigações não se referiam a meros vereadores, deputados ou políticos do PMDB. Era a uma força maior. Daí o nome da operação: Os Intocáveis.
Redobraram-se os cuidados para alicerçar a denúncia em provas irrefutáveis. Se, hoje, houve a prisão de Adriano Nóbrega, provavelmente é porque as provas foram consideradas consistentes.
Na operação foi detido também o contador da milícia e apreendido o cofre forte que guardava toda a documentação das operações – incluindo pagamentos de subornos.
E aí se entra no maior imbróglio político das últimas décadas.
Peça 2 – o mapa das correlações
Vamos a uma pequena atualização do mapa anterior, à luz de novos fatos.
No episódio do assassinato de Marielle Franco, aparecem três personagens centrais:
Vereador Marcelo Siciliano, apontado como o homem que encomendou a morte de Marielle.
Zinho, chefe de milícia, detido na Operação Quarto Elemento, e apontado como a pessoa que acertou com o assassino.
Capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, principal suspeito de ter sido o assassino.
Até agora, aparecem as seguintes correlações com os Bolsonaro Marcelo Siciliano à Michele Bolsonaro.
O vereador foi autor de lei autorizando a construção de um templo de cinco andares da Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, frequentado pelo casal Jair Bolsonaro, depois que Michele rompeu com o pastor Silas Malafaia. O guru do casal é o pastor Josué Valandro Jr. Foi lá que Jair apareceu, logo após as eleições, orou, ficou de joelhos, chorou e atribuiu a vitória a Deus, segundo reportagem da Folha.
Capitão Adriano à Flávio Bolsonaro à Fabrício Queiroz
O Capitão Adriano foi um dos homenageados por Flávio, nas moções periódicas que dedicava a militares violentos. Mais grave: a mãe, Raimunda Vera Magalhães, e a esposa do Capitão Adriano, Danielle Mendonça da Costa Nóbrega, conforme revelado pela operação, eram funcionárias do gabinete de Flávio.
Há mais coincidências incômodas. Segundo reportagem de O Globo, Raimunda é sócia de um restaurante localizado na rua Aristides Lobo, no Rio Comprido. Ele fica em frente à agência 5664 do Banco Itaú, na qual foram realizados 17 depósitos em dinheiro vivo na conta do motorista Fabrício Queiroz.
Uma nota na coluna de Lauro Jardim, de O Globo, diz que, no período em que se escondeu da imprensa e do Ministério Público Estadual, Queiroz se abrigou no Rio das Pedras, totalmente dominada pela milícia que comanda a região, alvo da Operação Os Intocáveis.
Segundo reportagem de 26/10/2018, de O Globo, os milicianos dominam completamente o Rio Comprido. Cobram pela água, pelo estacionamento, cobram taxas de segurança. Antes, a taxa era cobrada apenas do comércio. Agora, é de toda a população.
Fabrício Queiroz à Michele Bolsonaro
E aqui se chega no Fiat Elba de Bolsonaro – aliás, episódio muito mais grave que o álibi encontrado pelo Congresso para o impeachment de Collor: os R$ 40 mil depositados na conta de Michele Bolsonaro pelo motorista Fabrício Queiroz. O cheque coloca o presidente no meio da fogueira. Não é verossímil sua explicação de que foi pagamento de dívida. Ainda mais depois de reveladas as movimentações na conta de Queiroz.
Flávio Bolsonaro aparece enredado em várias teias. Dois dos PMs detidos, membros da mil[icia, trabalhavam em suas segurança. A irmã deles é tesoureira do PSL. Vários dos milicianos foram alvo de homenagens e moções de aplauso. Mãe e esposa do principal suspeito pela morte de Marielle trabalhavam em seu gabinete. E ainda há o aumento patrimonial e as transferências de dinheiro mal explicadas.
Peça 3 – a frente de brigas dos Bolsonaros
Até agora, os Bolsonaro abriram as seguintes frentes de briga:
Com o Congresso, com a estratégia de negociar com blocos e não com partidos.
Com o sistema CNI (Confederação Nacional da Indústria) e CNC (Confederação Nacional do Comércio) com a ameaça de cortar os recursos do sistema S.
Com a mídia off-line, com a mudança de diretrizes da Secretaria de Comunicação. Mais especificamente, com as Organizações Globo e a Folha.
Com os movimentos sociais.
Com sua própria base política, devido ao estilo extremamente truculento dos filhos.
Daqui para a frente, com o agronegócio, depois de anunciado o descredenciamento de frigoríficos brasileiros que exportavam para a Arábia Saudita, em represália à proposta fundamentalista de Bolsonaro, de mudar a capital de Israel para Jerusalem.
E, agora, com o próprio mercado, depois do vexame histórico de Davos, não apenas pelo total despreparo de Bolsonaro, mas pela incapacidade da equipe de chegar a um consenso mínimo sobre o discurso a ser feito. Dos 30 minutos a que tinha direito, utilizou apenas 6 minutos, tempo suficiente para expor seu notável despreparo. Pior: a notícia de que manteria encontros apenas com líderes nacionalistas antiglobalização, comandados por Steve Bannon, o homem da eleição de Donald Trump.
Enquanto isto, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, tem sido cada vez mais procurado pelo meio empresarial, por aparentemente ser o único foco de racionalidade no governo, capaz de ouvir e entender.
Peça 4 – a campanha do impeachment
O que vai restar dessa lambança toda?
Há uma certeza e uma incógnita. A certeza é que Bolsonaro será impichado. A incógnita é quanto ao tempo que irá demorar o processo.
Seu único trunfo, junto ao bloco do impeachment, seria a eventualidade de sua queda provocar a volta do PT. Não ocorrerá. Sua queda promoveria a ascensão natural do general Mourão, preservando a unidade em torno de um comando mais racional.
Positivamente, não tem WhatsApp ou Twitter que o salve da fogueira.
Será curioso analisar o comportamento do Ministro Sérgio Moro, da Justiça. Na foto divulgada, do voo para Davos, vê-se Bolsonaro ao telefone. Com todo o Estado Maior no avião, a hipótese aventada é que estaria tratando da estratégia de defesa com o filho Flávio. No mesmo ambiente, uma das testemunhas da conversa é seu Ministro da Justiça, ex-juiz Sérgio Moro.
Enquanto isto, a cobertura das Organizações Globo tem sido de uma objetividade mortal. Há seis meses seus repórteres já sabiam das suspeitas com o capitão Adriano. Mas mantiveram um pacto de silêncio com o Ministério Público Estadual (MPE), para não atrapalhar as investigações.
A nota sobre o refúgio de Queiroz no Rio Comprido saiu um dia antes da Operação Os Intocáveis. Nos próximos dias – talvez até no Jornal Nacional de hoje – serão revelados os detalhes sobre o capitão Adriano.
Os Bolsonaro estão apanhando até no seu campo de batalha: as redes sociais.
É até possível que a Operação Marielle tenha acontecido sem conhecimento prévio de Flávio Bolsonaro e ele não passasse de um joguete nas mãos do motorista. É significativo o fato de ter publicado um Twitter se solidarizando com Mairelle e, em seguida, tê-lo apagado. Fará doferença em uma investigação criminal, não em um julgamento político.
Se valer um palpite, acho que haverá um desfecho relativamente rápido dessa crise.
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