terça-feira, 12 de setembro de 2017

Liberdade de expressão versus discurso de ódio à luz da Constituição






A atual Constituição Federal do Brasil é uma conquista do povo brasileiro alcançada através do derramamento de sangue e suor de muitos anônimos heróis nacionais, especialmente pelo fato do país ter vivido uma severa ditadura militar por mais de duas décadas.

Direito e deveres estabelecidos na CF

A Constituição Cidadã, como também é conhecida nossa Constituição Federal, é reconhecida mundialmente por ser uma das mais avançadas no âmbito das garantias individuais. O artigo 5º, por exemplo (que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos), em seus incisos IV e IX, reconhece a liberdade de pensamento, vedado o anonimato, bem como a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Os incisos V e X, do mesmo artigo 5º, asseguram, respectivamente, i) direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, bem como ii) a inviolabilidade a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

A sociedade já alcançou grandes e importantes vitórias aprendendo a viver democraticamente e utilizando as ferramentas que as leis proporcionam. Contudo, ao mesmo tempo que se evolui em alguns pontos, constata-se que, por outro lado, discursos de ódio são preocupantemente disseminados, especialmente nas redes sociais, demonstrando um insistente paradoxo da humanidade.

Atualmente, é fácil perceber nas redes sociais, ou seja, no “mundo virtual”, que, pela necessidade de se obter o máximo de “curtidas”, pessoas julgam e condenam as outras da forma mais cruel e irresponsável possível, sem que reflitam previamente que aquelas pessoas “julgadas” possuem uma “vida real” e a indevida exposição lhes levará danos irreparáveis.

A Constituição Federal, a lei maior do país, cravou no artigo 5º não apenas os festejados direitos individuais mas também os deveres individuais.

Assim sendo, o que fazer quando se identifica um “aparente conflito de direitos”, tais como liberdade de pensamento/expressão com o direito à inviolabilidade a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem? A resposta é moderação.

Assim como há necessidade de se garantir e lutar pela liberdade de expressão e de pensamento, há também a necessidade de ser garantir e lutar por outros direitos também fundamentais, tais como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, conforme expressamente insculpido no mesmo artigo 5º da CF que, aliás, assegura o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Discurso do ódio e suas vítimas. Caso verídico. Dona de casa morta por populares por mensagem falsa nas redes sociais

A prática do discurso do ódio nas postagens nas redes sociais já fez várias vítimas fatais no Brasil e no mundo. Apenas para exemplificar, de forma resumida, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi agredida e morta por dezenas de moradores (assassinos) de uma comunidade do Guarujá (SP) após a publicação de um retrato falado em uma página no Facebook de uma mulher que supostamente realizava rituais de magia negra com crianças sequestradas. (Para ver a matéria completa do caso basta clicar aqui).

A divulgação do retrato falado deu início à enxurrada de comentários irresponsáveis e incentivadores de atos criminosos, instigando a ira de muitos que, infelizmente, buscaram fazer “justiça” com as próprias mãos, o que resultou na morte de uma pessoa inocente. E mesmo que a Senhora Fabiana Maria tivesse alguma responsabilidade, quem detém a competência para julgar alguém é o Judiciário e não a população.

O limite ao direito à livre manifestação de pensamento e de expressão é o direito individual à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem.

O assunto é sério e precisa ser responsavelmente debatido.

Os tribunais pátrios garantem firmemente a liberdade de pensamento e expressão, assim como também estabelecem a necessidade de limites, condenando aqueles que ultrapassam a fronteira da razoabilidade, tudo nos termos da lei.

Abaixo, alguns julgados sobre o assunto:

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1ª TURMA CÍVEL MANTÉM CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVIDO A OFENSAS PELO FACEBOOK

A 1ª Turma Cível, em votação unânime, negou provimento ao recurso e manteve, na íntegra, a sentença que condenou Pedro Cassimiro de Souza, por ter publicado, em seu perfil da rede social “Facebook”, mensagens ofensivas a Ophir Figueiras Cavalcante Júnior, ex presidente do Conselho Federal da OAB.
Ophir ajuizou ação de indenização por danos morais, após ter tomado ciência de várias mensagens, de autoria de Pedro , veiculadas em seu perfil nas redes sociais, em especial no "FaceBook", com conteúdo ofensivo a sua imagem e honra , utilizando expressões de cunho depreciativo. 

O réu se defendeu alegando que suas publicações estavam amparadas pela garantia constitucional de liberdade de expressão.

O magistrado de 1ª instância entendeu que houve excesso por parte do réu, atingindo a honra objetiva e dignidade do autor, o que ensejou a condenação em indenização por danos morais.

No recurso apresentado pelo réu, o desembargador relator chegou à mesma conclusão, demonstrada na sentença, de que houve excesso do direito de liberdade de expressão, no que foi seguido pelos demais desembargadores: “Desse modo, a conclusão é a mesma a que chegou o juízo a quo, qual seja, as mensagens disponibilizadas no Facebook não se limitaram a expressar a opinião do apelante e ultrapassaram o contorno da razoabilidade, o que enseja a incidência das normas inscritas nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, segundo as quais qualquer ação ou omissão que violar direito e causar dano pode gerar o dever de indenizar.” (Processo: 2012 01 1 141295-7 APC)

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RESPONSABILIDADE CIVIL. DIFAMAÇÃO EM REDE SOCIAL. COMENTÁRIOS NO FACEBOOK. OFENSA À HONRA SUBJETIVA E OBJETIVA DE AGENTE PÚBLICO FISCAL DE TRÂNSITO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR CONFIGURADA. DANOS MORAIS. VALOR CONFIRMADO.

Pela redação do artigo 5º, inc. X, da Constituição Federal, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Hipótese em que o réu postou no Facebook texto e imagem acusando o demandante, fiscal de trânsito, de agir com abuso de autoridade no exercício da função pública por aplicar multas em excesso.

Acusação sem lastro probatório que repercutiu nas redes sociais, atingindo grande número de usuários que viram, curtiram e comentaram as publicações.
Danos morais consistentes na ofensa à honra subjetiva e objetiva do agente público.

Indenização confirmada em R$20.000,00 (vinte mil reais), considerando a gravidade da conduta e sua repercussão no meio virtual.

APELAÇÃO DESPROVIDA. Apelação Cível. Décima Câmara Cível. Nº 70073621260 (Nº CNJ: 0126241-19.2017.8.21.7000). Comarca de Caxias do Sul.

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