segunda-feira, 6 de abril de 2015

Os filhos de Brutus e o PT

Autor: Aldo Fornazieri



Muitos escritores políticos, ao longo da história, concordaram com a ideia de que a República de Roma antiga foi o “pináculo da grandeza humana” por tantas virtudes políticas que lá foram cultivadas e praticadas. Uma dessas virtudes - grandiosa e estarrecedora - nos é narrada pelo historiador Tito Lívio, já no começo de seu primeiro dos cinco livros sobre a História de Roma.

Tem-se pela história que a República de Roma foi fundada em 509 a. C. por meio de uma rebelião liderada pelo nobre Lucius Junius Brutus, que depôs o tirano Tarquínio, o Soberbo e pôs fim à monarquia. Já no alvorecer da liberdade recém conquistada, o povo e a república foram postos às duras provas que exigiram condutas exemplares para que o poder não voltasse às mãos de tiranos. Essas duras provas foram exigidas com freqüência durante os quase 500 anos de república.

Ainda durante o reinado de Tarquínio, o Soberbo, um grupo de jovens da nobreza romana se entregava a todo tipo de devassidão, corrupção, desordens e violências. Instaurada a república, esses jovens sentiram que a liberdade do povo se opunha aos vícios e à licenciosidade que eles praticavam. Assim, trataram de conspirar para devolver o poder aos Tarquínios. A conspiração foi denunciada por um escravo e os dois cônsules – Brutus e Públio Valério – trataram de mandar prender todos os conspiradores. Entre os conspiradores estavam dois jovens, Tito e Tibério, filhos de Brutus, o libertador de Roma.

Coube ao próprio cônsul Brutus presidir o julgamento. Todos os conspiradores e traidores foram condenados à morte. Amarrados em postes, foram açoitados e tiveram as cabeças decepadas. Tito Lívio relata que “durante todo esse tempo os espectadores observavam o pai, as contrações de seu rosto, onde assomavam sentimentos de amor paterno, sufocados pelo dever de aplicar castigos em nome do Estado”. Segundo o historiador, o povo deplorava menos o suplício do que o crime que motivava o castigo.

Maquiavel, meticuloso analista de Tito Lívio, observa que os líderes republicanos e o povo sabiam que se os filhos de Brutus permanecessem vivos, a liberdade e a república seriam corrompidas e não sobreviveriam. Para que a república sobrevivesse, a corrupção e as conspirações foram combatidas de forma inclemente por leis severas. Quando a corrupção deixou de ser combatida, a república romana teve seu fim.

Todos aqueles que estudaram as histórias das repúblicas sabem que a corrupção é seu pior inimigo. Essas histórias mostram que tanto a corrupção, quanto a virtude emanam do poder. Povos corrompidos o são pelo mau exemplo dos líderes. Se os líderes praticam o bom exemplo, a virtude prospera no povo e os maus se sentirão inibidos em praticar a corrupção. Se praticarem o mau exemplo, constitui-se uma cadeia de corrupção e a virtude se degrada. Quando os líderes são corruptos, os seus auxiliares e os auxiliares dos auxiliares se corromperão até que a corrupção chegue ao povo. É forçoso reconhecer que as ditaduras e as ameaças à liberdade se viabilizaram na América Latina quando as lideranças das nossas frágeis repúblicas mal-formadas deixaram que os Estados da região fossem inundados pelo lodo da corrupção.

Nada de grandioso e próspero poderá ser edificado em Estados corruptos e sociedades corrompidas. Os deméritos de um líder corrupto jamais poderão ser compensados pelos seus méritos e por isto, tal líder não poderá ser digno de louvor nos livros de história. Daí que a corrupção pública e privada deve ser combatida incessantemente. O Estado e as empresas devem adotar mecanismos rigorosos de controle e de punição dos corruptos. A saúde moral do Estado e da sociedade é condição para sua prosperidade e justiça. A corrupção é o grande mal que destrói o espírito comum e o bem público das coletividades.

O PT Não Matou os Filhos de Brutus

O PT nasceu embalado nos braços da virtude por vários motivos: emergiu das lutas dos trabalhadores fabris contra a repressão do regime militar e por direitos; estimulou a luta pela terra com a organização dos trabalhadores do campo; bate-se pela Anistia e pelas Diretas; não transacionou no Colégio Eleitoral; desfraldou as bandeiras da liberdade e da ética na política; conquistou o coração da juventude e a admiração da intelectualidade; lutou com bravura na Constituinte com um punhado de deputados; semeou a esperança nas eleições presidenciais de 1989; articulou o impeachment de Collor para expurgar do Estado um governo corrupto; começou a transformar em realidade o sonho de vida melhor de milhões de brasileiros e parecia reescrever até mesmo uma história de fracassos da esquerda latino-americana e mundial. Mas alguma coisa deu errado.

Na medida em que o partido ascendia em poder e representatividade, os torniquetes dos controles internos foram sendo afrouxados. As benesses do poder, o luxo dos hotéis, o refestelo dos bons restaurantes, o orgulho dos ternos bem cortados, a elevação econômica e social, os ambientes sofisticados fizeram com que fossem ficado para trás a moral das ruas, das portas de fábrica, das invasões de terras e das lutas sem descanso. Os lideres foram erguendo anteparos com o objetivo de evitar que o povo lhe tivesse acesso direto. Burocratas e seguranças passaram a inibir militantes e ativistas. Com a ascensão ao poder central em 2003 vieram os carros blindados, as abotoaduras e pulseiras douradas, as bebidas finas e a ideologia cortesã. Daí às práticas nada republicanas, seja para financiar campanhas, seja para benefícios próprios em vários casos, foi um passo.

Muitos líderes petistas passaram a conviver mais com aqueles que sempre estiveram nos palácios e no luxo do que com aqueles que vivem nas ruas, nas fábricas, nas favelas. Quando as denúncias de desvio de conduta começaram a pipocar contra petistas, a direção sempre foi reativa. Em vários casos só agiu quando a gangrena já havia deteriorado a imagem pública do partido. Muitos denunciados foram tratados como heróis em reuniões partidárias.

Em manifesto do último dia 30 de março, o PT afirma que “para sair da defensiva e retomar a iniciativa política, devemos assumir responsabilidades e corrigir rumos. Com transparência e coragem. Com a retomada de valores de nossas origens, entre os quais a ideia fundadora da construção de uma nova sociedade”. Ocorre que a complacência e a condescendência fizeram com que os filhos de Brutus se multiplicassem nas hostes partidárias. Se esses filhos não forem extirpados do partido e os erros não forem assumidos abertamente na forma de uma autocrítica à sociedade brasileira, o manifesto não passará de palavras jogadas ao vento e o PT não recuperará sua credibilidade nem junto aos jovens e nem junto a tantos outros que um dia admiraram o partido.

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.

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